SURGIMENTO DA SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHO

CTPP - Normas Regulamentadoras

COMISSÃO TRIPARTITE PARITÁRIA PERMANENTE

A Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) é o fórum oficial do governo federal responsável por discutir temas referentes à segurança e à saúde no trabalho, em especial as Normas Regulamentadoras (NR), tendo como competência principal estimular o diálogo social com vistas a melhorar as condições e o meio ambiente do trabalho.

Instituída originalmente pela Portaria SSST nº 02, de 10 de abril de 1996[1], essa comissão é resultado das primeiras experiências de diálogo social tripartite realizadas a partir da década de 80, destacando-se nesse processo os Grupos Técnicos de Trabalho Tripartites de revisão da Norma Regulamentadora nº 13 (NR-13) – Caldeiras e Vasos de Pressão[2], e da Norma Regulamentadora nº 18 (NR-18) – Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção, com atuação durante a década de 90.

A CTPP, hoje sob a égide do Decreto nº 9.944, de 30 de julho de 2019, representa a materialização do processo de diálogo social tripartite previsto nas Convenções nº 144 - Consultas Tripartites sobre Normas Internacionais do Trabalho e nº 155 - Segurança e Saúde dos Trabalhadores da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Desde a sua constituição, a CTPP vem conduzindo de forma técnica, conclusiva e permanente o processo de regulamentação do Capítulo V (Da Segurança e da Medicina do Trabalho) do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com redação dada pela Lei nº 6.514, de 22 de dezembro de 1977. Para tanto, realiza consulta às esferas mais representativas de trabalhadores e empregadores preconizados nos referidos textos convencionais, de acordo com procedimentos atualmente previstos na Portaria MTb n° 1.224, de 28 de dezembro de 2018.

A CTPP é composta de forma tripartite, observada a paridade entre representantes de governo, dos trabalhadores e dos empregadores, com seis representantes por bancada. A representação de governo é formada por cinco membros do Ministério da Economia, sendo três da Secretaria do Trabalho (STRAB), um da Secretaria de Previdência (SPREV), ambas integrantes da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho (SEPRT), e um da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), e um membro do Ministério da Saúde. Os representantes dos empregadores são indicados pelas confederações empresariais com registro ativo no Cadastro Nacional de Entidades Sindicais e que possuam maior número de sindicatos filiados. Os representantes dos trabalhadores são indicados pelas centrais sindicais que atenderem aos requisitos de representatividade de que trata o art. 2º da Lei nº 11.648, de 31 de março de 2008, observado também o disposto no art. 3º da referida Lei.

As deliberações da CTPP são tomadas majoritariamente por consenso. Caso não seja alcançado o consenso, a matéria é decidida pela coordenação da CTPP, atualmente exercida pela Secretaria do Trabalho (STRAB), ouvida a Subsecretária de Inspeção do Trabalho (SIT).

Nesses mais de 25 anos de diálogo social tripartite, foram publicadas mais de 150 portarias, na sua grande maioria para criação ou revisão de normas regulamentadoras, mas, também, abrangendo outros atos, tais como realização de consultas públicas e criação de grupos técnicos (GT), grupos de estudos tripartites (GET) e grupos de trabalho tripartite (GTT) para discussão e construção das propostas de regulamentação. Todos esses registros e outros mais, tais como agendas, composições, atas de reuniões, regimentos internos, dentre outros, podem ser acessados nesta página.

[1] Revogada pela Portaria SEPRT n.º 972, de 21 de agosto de 2019 (DOU de 22/08/2019)

[2] Título da norma à época.

 

 

História da Segurança e Saúde no Trabalho no Brasil e no mundo

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Vamos iniciar nosso estudo sobre a história da segurança e saúde no trabalho no Brasil em o mundo, a partir do conceito de trabalho, sua contextualização desde a Antiguidade e a relação trabalho-saúde-doença, que sempre existiu.

Trabalho

A palavra “trabalho” surgiu a partir do vocábulo latino tripaliu – denominação de um instrumento de tortura formado por três (tri) paus (paliu).

Desde a Antiguidade até a Idade Média o trabalho sempre esteve aliado a um sentido negativo, de castigo e sofrimento.

Aristóteles dizia que a “escravidão de uns é necessária para que outros possam ser virtuosos”. Em outras palavras, o homem deveria ser livre para se dedicar à própria perfeição. O trabalho o impede de consegui-lo. Só a vida contemplativa, e não a vida ativa leva o homem à dignidade. Percebemos então que a ociosidade era o valor e o trabalho, o desvalor.

Somente a partir do Renascimento, a noção negativa associada ao trabalho vai aos poucos tomando uma feição positiva, quando surgiram as ideias de valorização do trabalho como manifestação da cultura, e este começou timidamente a ser visto como um valor da sociedade e do próprio homem.

Sabe-se que a relação existente entre trabalho-saúde-doença já era percebida desde a Antiguidade. Porém, como somente os escravos trabalhavam (considerados não-cidadãos) eram eles que estavam expostos aos riscos do trabalho. Por este motivo, não havia uma preocupação efetiva no sentido de se garantir proteção ao trabalho, já que a mão de obra era abundante.

O que se via naquela época eram alguns estudos isolados de investigação das doenças do trabalho, como aqueles realizados pelo médico e filósofo grego Hipócrates (460-375 a.c.), que em um de seus trabalhos descreveu um quadro de “intoxicação saturnina” em um mineiro (o saturnismo é o nome dado à intoxicação causada pelo chumbo).

Plínio, O Velho, escritor e naturalista romano, que viveu no início da era Cristã (23-79 d.C.), descreveu, em seu tratado “De Historia Naturalis”, as condições de saúde dos trabalhadores com exposição ao chumbo e poeiras. Ele fez uma descrição dos primeiros equipamentos de proteção conhecidos, como panos ou membranas de bexiga de animais para o rosto (improvisados pelos próprios escravos), como forma de atenuar a inalação de poeiras nocivas; também descreveu diversas moléstias do pulmão entre mineiros e envenenamento devido ao manuseio de compostos de enxofre e zinco.

Em meados do século XVI, o pesquisador alemão George Bauer publicou um livro chamado “De Re Metallica”, no qual que apresentava os problemas relacionados à extração de minerais e à fundição da prata e do ouro, com destaque para uma doença chamada “asma dos mineiros”, que sabemos hoje tratar da silicose (doença pulmonar caracterizada pela formação de tecido cicatricial, causada pela inalação de poeira de sílica, por anos seguidos – os pulmões perdem sua característica elástica, requerendo mais esforço para respirar; é uma das mais antigas doenças ocupacionais).

Vejam que a maioria das observações se concentrava principalmente nas atividades de extração mineral.

Em 1700, um médico italiano chamado Bernardino Ramazzini, publicou um trabalho sobre doenças ocupacionais chamado De Morbis Artificum Diatriba (Doenças do Trabalho), no qual relacionou os riscos à saúde ocasionados por produtos químicos, poeira, metais e outros agentes encontrados nas atividades exercidas por trabalhadores em várias ocupações. Ele orientava os demais médicos a fazer a seguinte pergunta ao paciente: “Qual o seu trabalho?” Por sua vida dedicada a este assunto, Ramazzini ficou conhecido como o pai da Medicina Ocupacional.

Ao longo dos anos, vários médicos e higienistas se ocuparam da observação do trabalho (qualitativa, e não quantitativa ainda, devido às limitações tecnológicas da época) em diversas atividades e conseguiram chegar a várias descobertas importantes, como o médico francês Patissier que recomendava aos ourives levantar a cabeça de vez em quando e olhar para o infinito como modo de evitar a fadiga visual; e também Rene Villermé, médico francês que foi além dos ambientes de trabalho insalubres e associou a influência das jornadas excessivas, as péssimas condições dos alojamentos, a qualidade da alimentação e o “salário abaixo das necessidades reais”, sobre o mau estado de saúde dos trabalhadores.

Revolução Industrial

A Revolução industrial foi um processo de grandes transformações econômicas, tecnológicas e sociais, que se iniciou em meados do século XVIII na Europa Ocidental, mais precisamente na Inglaterra e que revolucionou o modo como trabalhamos e vemos o mundo.

Entretanto, o avanço tecnológico dos meios de produção se contrastava com o crescimento das doenças e mortes entre os trabalhadores assalariados devido às precárias condições de trabalho.

Via-se também a utilização em massa do trabalho de mulheres e crianças, (uma vez que a maioria da mão de obra masculina trabalhava nas minas de carvão), todas elas submetidas a jornadas exaustivas de trabalho, que não raro chegava a quatorze ou até dezesseis horas de trabalho diário.

Naquela época surgiram os primeiros movimentos operários contra as péssimas condições de trabalho e ambientes insalubres. Os trabalhadores passaram a se organizar em sindicatos para melhor defenderem os seus interesses.

Apesar de vários riscos de várias atividades serem conhecidos, até então pouco ou quase nada era feito para combatê-los ou reduzi-los. Somente após muitos conflitos e revoltas, começaram a surgir as primeiras leis de proteção ao trabalho, inicialmente das mulheres e crianças.

Um dos marcos da legislação internacional relativa à proteção do trabalho foi a aprovação, pelo parlamento britânico, a partir de 1802, de várias leis conhecidas como Leis das Fábricas (do inglês, Factory Law ou Factory Acts) com o objetivo de proteção do trabalho de mulheres e crianças, tanto no que se refere a ambiente de trabalho quanto às jornadas excessivas, comumente praticadas. Esta lei abrangia inicialmente as indústrias têxteis, principal atividade industrial naquela época, e somente em 1878 passou a valer para todas as indústrias.

Uma destas primeiras leis chamada Factories Act 1802 (também conhecida como Lei da Moral e Saúde dos Aprendizes) trazia as seguintes obrigações para os proprietários das fábricas: (não se assustem com a lista a seguir, ela dos dá uma ideia das condições de trabalho da época):

  • Todos os ambientes da fábrica devem ser ventilados
  • O “limo” – sujeira deve ser removido duas vezes por ano
  • As crianças(!) devem receber duas mudas completas de roupa
  • A jornada diária de crianças entre 9 e 13 anos deve ser no máximo 8 (oito) horas, e no caso de adolescentes entre 14 e 18 anos a jornada não deve ultrapassar 12 (doze) horas.
  • É proibido o trabalho de crianças menores de 9 (nove) anos, que deverão frequentar as escolas a serem abertas e mantidas pelos empregadores
  • Crianças devem ocupar quartos de dormir separados por sexo, sendo que cada cama deve ser ocupada por no máximo duas crianças
  • Os empregadores são responsáveis pelo tratamento de doenças infecciosas.

Apesar de ser considerado um avanço sobre a proteção do trabalho, o Ato de 1802 não regulamentou a inspeção nas fábricas para verificação do cumprimento de suas disposições, o que aconteceu somente em 1833.

Se por um lado os proprietários das fábricas, detentores dos meios de produção, faziam forte oposição à aprovação desta lei, por outro lado eles sabiam da necessidade de se preservar o potencial humano como forma de garantir a produção.

Anos mais tarde, foi publicado o Ato 1831, que proibia o trabalho noturno para jovens menores de 21 (vinte e um) anos.

Em 1833, foi aprovado o Labour of Children, etc., in Factories Act, com as seguintes determinações:

  • Obrigação de concessão de uma hora de almoço para crianças – mantendo-se a jornada máxima de doze horas para crianças entre 14 e 18 anos e oito horas para crianças entre 9 e 13 anos.
  • Crianças entre 9 e 13 anos deve ter duas horas de aulas por dia
  • Proibição do trabalho noturno para menores de 18 (dezoito) anos
  • Introdução de rotinas de inspeção do trabalho nas fábricas

Em 1844 houve novamente um grande “avanço” (!) na legislação britânica, com a publicação do Factories Law 1844, com a inclusão de requisitos expressos de proteção do trabalho das mulheres, obrigatoriedade de comunicação e investigação de acidentes fatais e de proteção de máquinas. É claro que a proteção das máquinas era tão precária quanto a própria redação da lei que obrigava sua implantação, mas de qualquer modo, já era um avanço.

Nesta época também surgiam na Alemanha as primeiras leis de acidente do trabalho, o que também começou a acontecer nos outros países da Europa.

No século XX foram criados vários organismos com o objetivo final de proteção do trabalho. Vejam na tabela a seguir as datas de criação de alguns destes importantes órgãos: 

1914 Criação do National Institute of Occupational Safety and Health (NIOSH) Órgão de pesquisa em Segurança e Saúde no Trabalho. Atualmente praticamente todos os países utilizam a metodologia de avaliação da exposição ocupacional estabelecida por este órgão.
1919 Criação da OIT Organização Internacional do Trabalho
1938 Criação da American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH) Associação dos Higienistas do Governo Americano e que desenvolve pesquisas sobre os Limites de Exposição Ocupacional para os agentes físicos, químicos e biológicos e Índices Biológicos de Exposição.
1966 Criação da FUNDACENTRO

 

Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho, voltada para o estudo e pesquisa dos problemas relativos à segurança, higiene e medicina do trabalho

Em 1974 passou a ser vinculada ao Ministério do Trabalho. Criada inicialmente como Fundação Centro Nacional de Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho

SST no Brasil

Enquanto no início do século XIX, a Inglaterra já se preocupava com a proteção dos trabalhadores das indústrias têxteis, (ainda que com obrigações absurdas para a nossa referência atual, porém aplicáveis à época), somente no final daquele século, por volta de 1870 é que se tem notícia da instalação da primeira indústria têxtil no Brasil, no estado de Minas Gerais.

E somente vinte anos depois é que surgiria no Brasil um dos primeiros dispositivos legais relativos à proteção do trabalho, mais precisamente em 1891, com a publicação do Decreto 1.313 que tratava da proteção do trabalho de menores. Os trabalhadores adultos não eram abrangidos por este decreto.

Estávamos nos primeiros anos da república velha e o Brasil começava a dar os primeiros passos, ainda bastante tímidos, em direção à proteção do trabalho. Enquanto isso, na Inglaterra já havia, há mais de oitenta anos, uma regulamentação sobre o trabalho infantil, através da Factory Law!..